O Governo Dutra 1946-1951

19-07-2011 01:45

Política econômica externa e industrialização: 1946-1951

 

Esta seção se baseia em Vianna (1990)

 

 

1) Introdução

 

            - As perspectivas que o Governo Dutra tinha em seu início foram determinadas pela idéia de um mundo organizado de acordo com os princípios liberais de Bretton Woods. Contudo, é um equívoco imaginar que a organização da economia mundial no imediato pós-guerra tenha resultado de uma implementação automática das decisões da conferência de 1944. Não havia equilíbrio possível nas condições do imediato pós-guerra. Os Estados Unidos haviam crescido 11% em média ao ano de 1940 a 1945 enquanto a Europa e Japão tiveram suas economias desarticuladas e seus parques produtivos em parte destruídos. Sendo assim, apenas os Estados Unidos podiam entre 1945 e 1949, fornecer ao mundo inteiro os bens de consumo e os equipamentos de que este necessitava; só a economia americana saíra consolidada e enriquecida do conflito mundial. Portanto, a volta ao multilateralismo em 1947 era prematura.

 

            - Nesse contexto, os Estados Unidos aceitam postergar os objetivos de Bretton Woods, compreendendo a predominância de seus interesses estratégicos e de organização de sua hegemonia no mundo, sobre seus interesses econômicos mais imediatistas. Do ponto de vista brasileiro, no início do governo o desenrolar dos acontecimentos foi marcado por expectativas bastante favoráveis quanto a situação econômica externa. Além da perspectiva de uma rápida reorganização da economia mundial de acordo com os princípios liberais de Bretton Woods, havia a esperança de uma significativa alta dos preços internacionais do café em conseqüência da eliminação, em julho de 1946 de seu preço teto por parte do governo norte-americano.

 

            - O governo brasileiro tornou-se vítima de uma espécie de “ilusão de divisas” que apoiava-se sobre três pontos:

1) O país parecia estar em situação confortável em relação às suas reservas internacionais;

2) Julgava-se credor dos Estados Unidos pela colaboração oferecida durante a Segunda Guerra Mundial

3) Acreditava que uma política liberal do câmbio seria capaz de atrair significativo fluxo de investimentos diretos.

 

            - Assim, confiante na evolução do setor externo, o Governo Dutra identificou na inflação o problema mais grave e premente a ser enfrentado. O diagnóstico oficial localizava nos déficits orçamentários da União a causa principal dos aumentos no nível de preços e políticas fiscais e monetárias contracionistas seriam necessárias para solucionar o problema.

 

2) Política Cambial e de Comércio Exterior

 

            - As políticas de comércio exterior e cambial do início do Governo Dutra devem ser analisadas à luz da “ilusão de divisas” a que já se referiu bem como o combate a inflação. O câmbio foi mantido valorizado sendo abolidas as restrições a pagamentos existentes (liberalização do câmbio). Os objetivos dessa política eram:

a) atender à demanda contida de matérias-primas e de bens de capital para reequipar a industria.

b) esperava-se que a liberalização das importações de bens de consumo forçasse a baixa dos preços industriais (aumento da oferta de produtos importados)

c) Com a implementação de uma política liberal de câmbio, além de exprimir a congruência das diretrizes governamentais com a ideologia liberal e os compromissos internacionais do país, refletia a esperança de que a liberalização das saídas de capital pudesse estimular também ingresso brutos em proporção significativa no futuro.

            - A ilusão que primeiro se evidenciou como tal foi a falsa apreciação da situação das reservas internacionais. O problema fundamental do setor externo da economia brasileira era o saldo de pagamentos em moedas conversíveis, em especial dólares americanos. Em 1946, dos US$ 730 milhões de reserva totais apenas cerca de US$ 92 milhões eram reservas líquidas disponíveis para a área conversível. As reservas em ouro eram consideradas pelo governo  como reserva estratégica, a ser preservada para emergências futuras. O problema da balança comercial estava no fato de o Brasil obter substanciais superávits comerciais com a área de moeda inconversível, enquanto acumulava déficits crescentes com os Estados Unidos e outros países de moeda forte.

 

Brasil: Disponibilidades cambiais, posição em

 

 

 

31 de dezembro, 1945-1952, US$ milhões

 

 

 

 

 

Moedas

 

Moedas

 

Total em

Ouro

Total

Anos

Conversíveis

Inconversíveis

moeda

 

 

1946

92

 

273

 

365

365

730

1947

33

 

321

 

354

379

733

1948

62

 

284

 

346

342

688

1949

121

 

216

 

337

342

679

1950

128

 

122

 

250

342

592

Fonte: Malan, Bonelli, Abreu e Pereira, 1977,p.165

 

            - O término do conflito mundial afetou também as pautas de exportações e importações do Brasil, com a volta ao mercado dos antigos fornecedores e o início da recuperação econômica. Cai a exportação brasileira de matérias-primas e de manufaturas. As manufaturas chegaram a representar 20% da pauta em 1945, caindo para 7,5% em 1946 e continuando em queda até alcançar menos de 1% em 1952. As importações enfrentam as pressões resultantes da necessidade de reequipar a industria e o intenso acréscimo dos preços internacionais.

           

- Apenas em fevereiro de 1948 foi adotada a primeira forma de contingenciamento a importações, baseado na concessão de licença prévias para importar de acordo com a prioridade do governo.  O sistema de contingenciamento foi capaz de reduzir o déficit com a área conversível fazendo com que as importações originárias da área conversível declinassem. Além disso observou-se uma queda nos preços dos produtos importados. Por outro lado, a recuperação dos preços internacionais do café a partir de 1949 também favoreceu a melhora dos números da balança comercial.

 

 

3) Substituição de importações e o crescimento industrial

 

            A adoção do regime de licenças de importações juntamente com o aumento de divisas decorrentes do aumento dos preços do café desempenharam um papel importante para o crescimento da industria. Embora “o texto legal que instituiu o regime de licença prévia não estabelecesse explicitamente o princípio da proteção à industrial, reconhecia e consagrava, no caso de serem semelhantes ou equivalentes os produtos importados e os de fabricação nacional, a base das restrições ao licenciamento de importações”. Tal fato representou um estímulo à implantação interna de industrias substitutivas de bens de consumo (sobretudo os duráveis) que  ainda não eram produzidos internamente. Esta foi basicamente a fase de implantação das industrias de aparelhos eletrodomésticos e outros artefatos de consumo durável.

 

4) Relações internacionais e movimentos de capitais.

 

            - O Governo Dutra havia apoiado os projetos de desenvolvimento do país na expectativa de captação de recursos externos por meio de financiamentos oficiais americanos e na possibilidade de afluxo de capitais privados internacionais. Entretanto, desde do imediato pós-guerra, torna-se claro que a política externa dos Estados Unidos priorizava o apoio a outras partes do mundo, em especial a Europa. Nesse sentido, a posição americana sobre os países da América Latina era de que suas necessidades de capital deveriam ser supridas por fontes de investimentos privados. Segundo o governo norte-americano, o desenvolvimento brasileiro dependeria da habilidade de criar um clima favorável ao ingresso de capitais privados.

 

            - A posição americana em relação ao financiamento de programas de desenvolvimento do terceiro mundo só começaria a ser revista em 1949 com o discurso de posse de Truman. Nele são propostas quatro linhas de ação para a política externa norte-americana, sendo o quarto ponto o compromisso  de  tornar “o conhecimento técnico norte-americano disponível para as regiões mais pobres do mundo”. Tal idéia poderia não ter passado das intenções não fosse o início das hostilidades na Coréia em 1950 que colocou diante do governo dos Estados Unidos a necessidade de olhar com atenção e reconquistar apoio em regiões do mundo que vinham sendo negligenciadas por sua política externa, entre as quais a América Latina. Em conseqüência, no final do Governo Dutra (e a partir da vitória de Vargas nas eleições de outubro de 1950) foram iniciadas as negociações para obtenção de ajuda financeira de bancos norte-americanos para projetos na infla-estrutura econômica.

 

 

5) Política Econômica Interna

 

            - A política econômica doméstica do Governo Dutra pode ser definida, até 1949, como marcadamente ortodoxa. A inflação que chegara a 20% e 15% em 1944 e 1945, respectivamente, é identificada como o principal problema a ser enfrentado e diagnosticada como derivada do excesso de demanda. O combate a inflação seria feito por meio de uma política monetária contracionista e de política fiscal austera (redução do déficit público).

 

           

- Contudo, observa-se no primeiro ano do Governo Dutra um grande déficit no orçamento da união em função de um aumento do funcionalismo público, muito acima do programado. No final de 1946 (com a substituição do ministro Gastão Vidigal pelo novo ministro Corrêa e Castro) o governo volta a praticar políticas fiscais e monetárias severamente contracionista, contendo fortemente o investimento público e reduzindo as emissões de moeda praticamente a zero em 1947. Nesse ano obtêm-se um pequeno superávit no Orçamento da União (ver tabela 1), o PIB cresce apenas 2,4% e a inflação recua para 9%. Apesar do superávit da União continua a haver um déficit global de Cr$ 988 milhões consideravelmente menor que o ano anterior. Note-se também que apesar do esforço fiscal da União verifica-se que com maior autonomia dos Estados (derivada da Constituição liberal de 1946) os déficits significativos na execução de seus orçamentos frustraram em parte o grau de contração fiscal pretendido pelo governo.

 

 

Brasil: Finanças Públicas, 1939/52, Cr$ Milhões

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

União

 

 

Estados e ex-Distrito Federal

 

 

 

Superávit(+)

 

 

Superávit(+)

Anos

Receita

Despesa

Déficit(-)

 

Receita

Despesa

Déficit(-)

1944

8311

8399

-88

 

5766

5491

275

1945

9845

10839

-994

 

6380

7042

-662

1946

11570

14203

-2633

 

8256

8576

-320

1947

13853

13393

460

 

8968

10416

-1448

1498

15699

15969

3

 

11193

12375

-1182

1949

17917

20727

-2810

 

13923

14850

-927

1950

19373

23670

-4297

 

16375

18540

-2165

1951

27428

24609

2819

 

22905

24336

-1431

1952

30740

28461

2279

 

25337

30801

-5464

1953

37057

39926

-2869

 

30477

35894

-5417

1954

46539

49250

-2711

 

39206

44783

-5577

Fonte: Malan, Bonelli, Abreu e Pereira, 1977,p.217

 

 

 

 

 

           

- A substituição de Corrêa e Castro por Guilherme da Silveira (em junho de 1949) marca um ponto de inflexão na política econômica do Governo Dutra. Em 1949 gerou-se um enorme déficit no orçamento da União enquanto os Estados e o Distrito Federal pouco decresceu, resultando um déficit global quase 200% maior que o de 1948, em termos reais. Em 1950 o desequilíbrio agravou-se ainda mais fazendo com a que a política monetária (utilizada para acomodar os déficits fiscais) tenha tido um papel fundamental no crescimento da inflação (grande expansão do crédito). Destaca-se a proximidade das eleições presidenciais como fato importante na reversão da política econômica.

 

            - Destaca-se as palavras do ministro Guilherme da Silveira (Ministério da Fazenda, Relatório, p.21) “Aos ortodoxos se afigurará talvez que Vossa Excelência deveria ter evitado as emissões de papel moeda, mas asseguro a Vossa Excelência que essas emissões financiaram muitos investimentos indispensáveis ao desenvolvimento econômico do país (...) Não poderia Vossa Excelência conter o ímpeto de crescimento do país para se enquadrar em postulados financeiros que a evolução  do mundo vai desmoronando”.

            - O final do Governo Dutra pode ser caracterizado no setor interno pela retomada do crescimento do processo inflacionário e pela recorrência do desequilíbrio financeiro do setor público. No setor externo pelas expectativas favoráveis decorrentes da elevação dos preços do café.

 

 

Referência bibliográfica:

 

VIANNA, Sérgio B. Política econômica externa e industrialização: 1946-1951, in ABREU, M. (org), “A Ordem do Progresso - Cem Anos de Política Econômica Republicana 1889-1989”. Editora Campus, Rio de Janeiro, 1990.