Inflação, Estagnação e Ruptura 1961-1964

19-07-2011 01:48

INFLAÇÃO, ESTAGNAÇÃO E RUPTURA: 1961-1964

 

Esta seção se baseia em Abreu (1990)

 

 

1) A tentativa ortodoxa sob Quadros

 

 

            Em 31 de janeiro de 1961 Jânio Quadros assumiu a presidência da república amparado por uma significativa votação popular. As dificuldades econômicas herdadas de Kubitschek são denunciadas pelo novo presidente: aceleração inflacionaria, indisciplina fiscal e deterioração do balanço de pagamentos.

 

            O Governo alterou a política cambial promovendo uma desvalorização da taxa de câmbio e tornando o processo de importações mais difícil. Em maio de 1961 o Governo teve sucesso nas negociações com credores americanos obtendo  novos empréstimos re-escalonando a dívida externa que venceria entre 1961 e 1965.

 

            Ainda em relação a política externa, o Governo distancio-se da posição americana de isolar Cuba, preparou o reatamento das relações com a União Soviética lançando as bases da chamada política externa independente que se expandiria no Governo Goulart.

 

            A renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961 resultou no colapso se seu programa de estabilização. A curta duração de sua gestão dificulta a avaliação criteriosa dos resultados das  suas políticas econômicas pois a crise política de agosto e setembro de 1961 teve como conseqüência o descontrole monetário, fiscal e creditício.


2) O impasse parlamentarista.

 

            De setembro de 1961 a  janeiro de 1963 a República viveu o seu mais longo período de indefinição política com conseqüências paralisantes do ponto de vista da tomada de decisões no campo econômico.  Com o veto dos militares à posse do vice-presidente da república adotou-se o sistema parlamentarista de governo por meio de uma emenda constitucional. O primeiro gabinete parlamentarista foi formado no dia seguinte sob a presidência do Deputado Tancredo Neves.

 

            O programa de governo apresentado pelo Primeiro-ministro era bastante genérico. Definia como principal problema a ser enfrentado a baixa taxa de crescimento econômico. O próprio governo admitia que os objetivos estabelecidos não eram compatíveis entre si. Os objetivos eram:

-        fazer a economia crescer 7,5% ao ano;

-        absorver a mão de obra subempregada;

-        minorar as tensões criadas pelos desequilíbrios sociais;

-        atenuar os desequilíbrios no balanço de pagamentos;

-        minorar o desequilíbrios regionais;

-        aumentar a produtividade agrícola.

 

Para atingir estes objetivos o governo elevaria a taxa de poupança por meio de uma reforma fiscal e contenção do déficit de custeio das empresas públicas. Estabeleceria ainda prioridades e corrigiria desperdícios para melhorar a composição dos investimentos e introduziria técnicas de planejamento.

 

A política monetária seria contracionista tendo o governo demonstrado preocupação com a expansão monetária. Do ponto de vista das reformas institucionais, o Governo pretendia criar o Banco Central e reformar a legislação bancária buscando sua consolidação e o estímulo ao mercado de capitais.

 

Tentou-se estabelecer metas físicas setoriais no programa de desenvolvimento econômico e das forças armadas. De maneira geral as propostas eram genéricas, em muitos casos não passando de princípios.

 

O presidente comprometeu-se com a realização da reforma agrária com a mudança do princípio constitucional que determinava que a indenização de terras fosse feita em dinheiro.

 

As relações com os EUA deterioraram-se quando o governo federal decidiu cancelar as concessões do direito de lavra de minério de ferro da empresa norte-americana Hanna Corporation e a apoiou a desapropriação pelo governador do Rio Grande Sul (Leonel Brizola) dos bens da Companhia Nacional (subsidiária da empresa norte-americana International Telephone and Telegraph – ITT).

O Brasil reatou relações diplomáticas com a União Soviética (1961) e na reunião da OEA em janeiro de 1962 divergiu da posição norte-americana, abstendo-se na votação que aprovou a expulsão de Cuba da organização.

 

Em abril de 1962 Goulart visitou os Estados Unidos, discutindo com o Presidente Kennedy assuntos relacionados à dívida externa e ao capital estrangeiro no Brasil sem que tenha havido qualquer resultado prático aumentando ainda mais o desgaste do governo brasileiro.

A perda do controle sobre a economia torna-se clara a partir de maio com o significativo aumento do déficit de caixa do governo gerado pelo aumento das despesas públicas. A principal pressão sobre os gastos públicos estava associada ao déficit de empresas públicas no setor de transportes (Rede Ferroviária Brasileira, Lóide Brasileiro, entre outras).

No final de maio de 1962 aumentou o desgaste do presidente junto ao gabinete Neves. O Presidente explicitou suas divergências com o gabinete em relação à reforma agrária, enfatizando a necessidade de reformas constitucionais, inclusive antecipando o plebiscito sobre o regime de governo. A crise culminou com a renúncia coletiva do gabinete Tancredo Neves.


O congresso aprovou o nome de Brochado da Rocha como Primeiro Ministro. O novo gabinete retratava uma composição política de amplo espectro, continuando na pasta da Fazenda o banqueiro Moreira Salles. O programa econômico pretendia estabilizar a inflação em 60% em 1962 e reduzi-l para 30% em 1963.

 

O gabinete concentrou seus esforços na tentativa de obter poderes especiais para legislar sobre diversos temas, inclusive reformas de base. Buscou a antecipação da data da realização do plebiscito acerca da permanência do sistema parlamentarista de governo. As recusas de delegação de poderes especiais pelo Congresso provocaram a renúncia do gabinete em setembro. Entretanto as pressões para a antecipação do plebiscito culminaram com a aprovação de emenda constitucional antecipando sua realização para 6  de janeiro de 1963.

 

No segundo semestre de 1962, a instabilidade política refletiu-se de forma clara no comportamento das principais variáveis macroeconômicas. O controle das contas públicas foi perdido no final do ano com o conseqüente descontrole sobre os meio de pagamentos. Em 1962 a taxa de crescimento do PIB reduziu-se para 6,6% comparados com 8,6% em 1961.

 

O Plano Trienal e seu Fracasso

 

            No final de dezembro de 1962 foi apresentado o Plano Trienal de desenvolvimento Econômico e Social, elaborado sob a coordenação de Celso Furtado, ministro extraordinário para assuntos de desenvolvimento econômico. As condições políticas para a implementação de um programa de governo sério pareciam garantidas pela vitória dos defensores do regime presidencialista no plebiscito de 6 de janeiro 1963. Entretanto a manifestação do eleitorado mais teve a ver com o repúdio ao remendo legal votado em circunstâncias extraordinárias do que com qualquer manifestação de especial apoio ao Presidente ou aos grupos políticos que o apoiavam.

 

            O Plano Trienal caracterizava-se por um diagnóstico bastante ortodoxo da aceleração inflacionária no Brasil, enfatizando o excesso de demanda via gasto público como sua causa mais importante. O receituário proposto (embora gradualista) era semelhante ao de outros programas de estabilização no passado: correção de preços defasados, redução do déficit público e controle de expansão do crédito ao setor privado.

 

            Seguiu-se ao anúncio do plano um salto no índice de preços industriais por atacado de mais de 20% em janeiro e 11% em fevereiro, possivelmente com base em expectativas de imposição de controle de preços. Em meados de janeiro o governo anunciou aumentos do trigo e derivados de petróleo (resultantes do fim de subsídios) além da imposição de limites para expansão do crédito e aumento do depósito compulsório.

           

            Em março de 1963 o Governo brasileiro envia uma missão aos EUA com objetivo de re-escalonar os pagamentos relativos à dívida externa e a obter ajuda financeira. A missão fracassa na maioria de seus objetivos.

 

            No final de abril, Goulart deu os primeiros sinais de haver desistido de seus esforços de conciliação dos objetivos estratégicos representado pelas reformas de base com estabilidade econômica. Depois da brusca desaceleração nos dois primeiros meses de 1963, os preços industriais cresceram por três meses a uma taxa média inferior a 2% ano mês, mas em junho voltaram a aumentar a mais de 8%. O comportamento de índice geral de preços por atacado reflete as mesmas tendências. A disciplina relativas às contas públicas nos primeiros cinco meses do ano deteriora-se em junho, quando o déficit sobe mais de a mais de 30% das despesas do governo.

 

A Agonia da Terceira República

 

            Em junho de 1963 Goulart promoveu uma reforma ministerial, sendo substituído, entre outros, os ministros considerados responsáveis pelo fracasso do programa de estabilização. Santiago Dantas foi substituído por Carvalho Pinto na pasta da fazenda. O Presidente parecia ter superestimado a capacidade do novo ministro em minimizar o descontentamento da classe empresarial com o seu governo. Por outro lado enfrentava a crescente crítica dos setores mais radicais que apoiavam o presidente. Há indícios de que a moratória unilateral dos pagamentos da dívida externa teria sido considerada em agosto de 1963.

 

            Tornou-se explícita a polarização da disputa pelo poder entre as massas urbanas mobilizadas pelo populismo e as antigas estruturas de poder.

           

            A renúncia de Roberto Campos da posição de Embaixador em Washington indicava que a credibilidade do governo chegava ao fim. Em outubro o presidente enviou mensagem ao congresso solicitando a aprovação do estado de sítio por 30 dias com reação a declarações de Carlos Lacerda atacando as autoridades federais. Dias mais tarde o pedido foi retirado diante das evidências de que seria recusado mesmo pelos parlamentares do partido do presidente.

 

            O descontrole das contas públicas se evidenciou depois de meados de 1963. O balanço de pagamentos deteriorou-se de forma considerável mesmo com a recuperação das exportações (redução da entrada de capitais estrangeiros).

            Em janeiro o presidente decide regulamentar a lei sobre capitais estrangeiros, limitando a remessa de lucros a 10% dos capitais registrados e impedindo a remessa de lucros associados a reinvestimentos.

            Em 13 de março, Goulart compareceu ao comício organizado pelas forças de esquerda, assinando decretos que determinavam a encampação das refinarias particulares e a desapropriação de terras beneficiadas por investimentos públicos. As forças conservadoras responderam com manifestações que mobilizaram a classe média e explicitaram o isolamento político do presidente e a debilidade do seu apoio político e militar.

 

            Em 31 de março de 1964 teve início a rebelião militar que, com amplo apoio do empresariado, da classe média e respaldo da omissão da maioria parlamentar, rompeu com a legalidade constitucional.