O Plano Cruzado

19-07-2011 01:53

Plano Cruzado

Esta seção se baseia em Baer (1996)

 

 

Introdução

 

            Em 28  de fevereiro de 1986, o governo brasileiro anunciou um programa “heterodoxo” de estabilização, chamado de “Plano Cruzado”, que visava interromper de imediato uma inflação que parecia estar fugindo do controle que aparentemente não podia ser dominada por meio de políticas de estabilização ortodoxas.

 

            Embora parecesse no início que o plano atingia seu objetivo sem efeitos colaterais recessivos, ele fracassou no final de 1986 quando a inflação ressurgiu, as contas externas entraram em crise e o crescimento real decaiu.

 

            Segundo Bresser-Pereira, as forças inerciais desempenhavam um papel fundamental no impulso inflacionário brasileiro por meio de processos dinâmicos como indexação salarial e financeira, taxa de câmbio regulada por minidesvalorizações, a formação de expectativas e a dispersão dos preços relativos.

 

            O plano atacava estes problemas, mas foi invalidado por ter incorporado um aumento salarial significativo.

 

            Os fatos pioraram devido ao persistente déficit público, a taxa de câmbio sobrevalorizada e pela execução do plano: os preços foram congelados em desequilíbrio e a política salarial era excessivamente indefinida.


O Plano Cruzado

 

            Em 28 de fevereiro de 1986 o presidente Sarney anunciou o decreto-lei 2283, cuja meta era derrubar a inflação com um golpe violento. O decreto-lei impôs as seguintes medidas.

1) Congelamento geral dos preços

2) Um congelamento seguindo-se a um reajuste que fixou os novos salários reais com base na média dos seis meses anteriores mais 8%, e 15% para o salário mínimo

3) Aplicação da mesma fórmula a aluguéis e hipotecas, sem o aumento de 8%

4) Sistema de reajustamento salarial, que assegurava um aumento automático a cada vez que o índice de preços ao consumidor tivesse aumentado 20% em relação ao ajuste anterior ou a partir ou a partir da data base anual de cada categoria trabalhista

5) Proibição de cláusulas de indexação em contratos com menos de um ano

6) Criação de uma nova moeda – o Cruzado – (Cz$ 1= Cr$100000)

 

Obs.: 1) Não havia referência específica no decreto-lei quanto a taxa de câmbio, mas o governo indicou que a manteria fixa indefinidamente a Cz$ 13,84 em relação ao Dólar.

            2) Para contratos previamente estabelecidos em Cruzeiros, o decreto-lei estipulou uma taxa de conversão para Cruzados em que o Cruzeiro seria deflacionado em relação à nova moeda a uma taxa mensal de 14%, que era a taxa de inflação mensal esperada contida nos contratos.

 

            O sucesso do Plano Cruzado dependia do grau em que a natureza do processo inflacionário era essencialmente “inercial”. Na medida em que ele resultou num excesso de demanda agregada ou na insuficiência de oferta agregada, o Plano não seria capaz de controlar a inflação permanentemente.

 

Resultados Imediatos

 

            Os resultados imediatos do Plano Cruzado foram espetaculares, tanto do ponto de vista econômico quanto político. A taxa mensal de inflação, medida pelo IGP, caiu de 22% em fevereiro de 1986 para –1% em março, -0,6% em abril e 0,3% em maio.

 

            A produção industrial foi 8,6% maior no primeiro trimestre do que no período correspondente em 1985, 10,6% e 11,7% maior no segundo e terceiro trimestres, respectivamente.

 

            Pelo menos nos primeiros meses que se seguiram ao Plano Cruzado, as contas externas permaneceram fortes, com superávits comerciais da ordem de US$ 1 bilhão mês. Parecia que o Brasil descobrira como administrar contas externas sólidas mantendo um excepcional crescimento com aumento dos salários reais, diminuindo o desemprego, e com uma inflação insignificante.

 

 

Dificuldades e contradições emergentes

 

O impacto alocativo do congelamento de preços

            Uma conseqüência imediata do congelamento foi a eliminação do mecanismo de preços como alocador de recursos. Quanto mais durasse o congelamento de preços, mais graves seriam as distorções existentes no mercado.

 

            Em 28 de fevereiro, alguns setores cujos preços haviam aumentado imediatamente antes do congelamento encontravam-se numa posição favorável comparado com às suas médias reais recentes, enquanto outros, que planejavam reajustes para breve, ficaram defasados.

 

            Um levantamento de 311 produtos revelou que 84 itens encontravam-se na primeira categoria; 35 haviam realizado ajustes de preços que os mantiveram em equilíbrio na época do congelamento e 192 ficaram defasados, entre os quais leite, carros e vários bens de consumo duráveis.

            As taxas de serviços públicos (principalmente energia elétrica) foram apanhadas bastante defasadas pelo congelamento. Esta situação elevou o déficit das empresas estatais prestadoras de serviços públicos.

 

            Não havia consenso quanto a duração do congelamento. Existia o temor de que um período muito curto de congelamento levasse a uma reversão das expectativas  inflacionarias.

 

            A medida que transcorria o tempo, os critérios políticos passaram a dominar as considerações econômicas. Aproximação das eleições de novembro de 1986 para os governos estaduais e o Congresso.

 

Crescimento excessivo

 

            O Plano Cruzado resultou na aceleração do crescimento econômico, grande parte baseado nos gastos do consumidor. Os elevados gastos do consumidor foram estimulados pelos significativos aumentos reais dos salários, pela eliminação da indexação dos depósitos de poupança, que provocou um grande êxodo dessas contas principalmente para os bens de consumo; preço atraente de muitos produtos cujos preços foram apanhados defasados pelo congelamento de preços.

 

O déficit do setor público

 

            Questão controversa em relação ao contribuição do déficit publico para o fracasso do Plano. Algumas questões:

a) Melhora da arrecadação em função da estabilidade de preços

b) Redução da taxa nominal de juros

c) Impacto dos aumentos de salários nas contas públicas

 

 

 

As contas externas

 

            O Cruzado ao longo do ano de 1986 se valorizou. As contas externas decaíram depois de agosto.

 

O COLAPSO DO PLANO CRUZADO

 

            Em julho, o governo fez um tímida tentativa para enfrentar alguns problemas que haviam se acumulado e houve  uma significativa restrição da política monetária. Para aumentar os investimentos e diminuir o consumo, o governo impôs um imposto de 25% sobre as viagens internacionais e instituiu um esquema de poupança compulsória que incluía um “empréstimo forçado” de 30% sobre os carros novos e de 28% sobre os combustíveis.

 

            A verdadeira crise do Plano Cruzado surgiu nas contas externas. Observou-se queda do investimento estrangeiro e aumento das remessas de lucros. Por outro lado, as exportações caíram rapidamente uma vez que os eventuais exportadores aguardavam a desvalorização cambial e achavam o mercado interno lucrativo. Observa-se, uma grande perda de reservas internacionais.

 

Logo após vencer as eleições de 15 de novembro o governo anunciou um grande programa de ajuste, logo chamado de Cruzado II.

           

            Os preços dos automóveis foram aumentados em 80%, as tarifas públicas em 35%, combustíveis em 60%, cigarros e bebidas alcoólicas em 100%, entre outros. As minidesvalorizações cambiais foram introduzidas novamente.

 

            Como resultado dessas medidas, a inflação ressurgiu e os salários aumentaram quando o mecanismo do gatilho automático começou a funcionar.

 

            Por fim, a posição das reservas internacionais do Banco Central havia caído a tal ponto que o governo se viu obrigado a decretar uma moratória unilateral em fevereiro de 1987.

 

Avaliação:

 

            O fracasso Plano Cruzado pode ser atribuído a muitas causas, sendo a mais importante o aumento salarial concedido no seu início, o que intensificou a demanda agregada numa época em que economia já estava aquecida, situação que se agravou pela não poupança do setor publico e externa.

 

            Os custos econômicos  foram bastante desfavoráveis: as perdas de reservas internacionais que levaram à moratória, o ressurgimento da inflação no final no ano e brusco declínio no poder aquisitivo do trabalhador, que levou a uma recessão na primeira metade de 1987.

 

 

Baer, W. A economia brasileira. 1996. Ed. Nobel. p. 163-197.1